Segunda Roda:uma homenagem a Bucefalo Caligulis e Onanlegrense Tavarish

sábado, 9 de janeiro de 2010

Em defesa da Cultura, o Clube de Cultura

Airan Milititsky Aguiar
Vice-Presidente do Clube de Cultura e Historiador




O Clube de Cultura foi fundado em 30 de maio de 1950, a fim de criar um espaço no qual pudessem ser realizadas atividades artístico culturais que não encontravam acolhida nos lugares já consagrados da cidade de Porto Alegre. A iniciativa foi de quatorze ativistas político-culturais, judeus não sionistas.
Alugaram uma casa na Rua Ramiro Barcelos. Nessa casa o Clube formou um coral e realizou diversas palestras e atividades. Logo os sócios, que já ultrapassavam os quatorze fundadores, avaliaram que a casa não comportava as atividades e decidiram alçar vôos maiores nesse sonho.
Decidiram comprar o terreno e construir uma nova sede na qual teria além de um auditório salas para diversos usos. Vendo que não seria fácil, além do terreno pagar os custos das obras de construção da nova sede, tiveram uma idéia que possibilitou a construção. Essa era fazer um condomínio, sendo que parte da construção abrigaria a sede do Clube de Cultura.
Compraram o terreno e se atribuíram de vender na planta os apartamentos do futuro Condomínio Clube de Cultura. Assim, conseguiram em 1958 inaugurar a atual sede do Clube de Cultura.
Realizaram palestras e exposições no Clube nos anos 50 do século passado: Graciliano Ramos, Jorge Amado, Aparício Torelli (Barão de Iatararé), Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves e Vasco Prado, por exemplo.




Ao centro o artista plástico Carlos Scliar, a sua direita o escritor Jorge Amado, a direita de perfil Henrique Scliar. (Gente Judaica RS. Porto Alegre, dezembro de 2002, p. 1.)

Grupos vieram de outros países como Argentina e Uruguai , bem como de São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro para se apresentarem no novo auditório do Clube, realizando apresentações em ídiche de cunho popular. Como falava I. L. Peretz “o teatro é a escola dos adultos”.


Sentados os membros do dramkreiz da Associação Cultural Israelita Zhitlovsky de Montevidéu. Em pé da esquerda para a direita membros do Clube de Cultura: o quarto, Naftal Rotemberg, o sexto, Abraão Wart, o sétimo, Salomão Schwartz Filho, o oitavo, André Paulo Franck, o nono, Henrique Scliar, o décimo, Isaac Zaslavski, o décimo segundo, Paulo Kreitchman, o décimo terceiro, Israel Wengrover, o décimo quarto, Hans Baumann, a décima quinta, Miriam Kassow. Clube de Cultura, 1962 (Acervo Clube de Cultura).

Após a sede ter sido inaugurada, passou a ser palco de inúmeras atividades. O Clube comemorou seu aniversario em 1961 com Elis Regina. O CPC apresentou o Auto dos 99%, texto que embalava as discussões sobre a reforma do ensino.
P.F. Gastal deu força ao Clube de Cinema na sede do Clube de Cultura junto a um dos fundadores. Jacob Koutzii, imigrante da Bessarábia e autodidata, foi pioneiro na critica cinematográfica assinando suas criticas nos jornais sob o pseudônimo de Plínio Moraes.
Logo formou um coral próprio, regido primeiro por Esther Scliar e depois por Helena Wainberg. Ensaiavam musicas eruditas, populares e em ídiche. Entre estas se destaca o Hino do Partisans, cantado no ato comemorativo do Levante do Gheto de Varsóvia.



Painel Levante do Ghetto de Vrasovia, Danubio Villamil Gonçalves

Neste exaltavam não só a bravura de 700 homens e mulheres, mal armados e sem treinamento adequado resistirem, durante 42 dias, a insistência de 1530 soldados alemães liquidarem o gueto, mas, sobretudo, exerciam o dever da memória para com a resistência e luta contra qualquer discriminação e opressão; celebravam a autodeterminação.


Platéia em ato público comemorativo ao Levante do Gueto de Varsóvia. Auditório Henrique Scliar, Clube de Cultura, aproximadamente 1959. (Acervo Clube de Cultura)

Em 1962 o Clube abriu suas portas a todos os cidadãos. Formado novo grupo de teatro próprio, encenaram “A prostituta Respeitosa”, de Sartre. Nos embalos do novo ritmo brasileiro organizaram o espetáculo Bossa 64.
Com o advento do Golpe Militar o quadro social do Clube, marcado por um corte de esquerda, entra em pânico. O Clube se manteve na ativa por coragem e dedicação de apenas quatro dos antigos diretores: Hans Baumann, Henrique Scliar, André Paulo Franck e Salomão Schwartz tiveram a coragem de manter as portas abertas.
O símbolo da resistência era erguido mais uma vez, denunciando o regime de exceção. A comemoração do Levante do Gheto de Varsóvia em 1964 deveria contar com a participação do então deputado federal Leonel de Moura Brizola. Da organização deste ato é lavrada a ultima ata no livro original de atas da Diretoria. Vastamente adulterado foi reescrito em um “novo livro de atas da Diretoria”, a fim de não deixar “rabo preso” para a repressão.
Apesar de todas as adversidades oriundas da repressão, a vida do Clube se manteve intensa. Especial destaque para montagem teatral dos “re-descobertos” textos de Qorpo Santo. Relegado a critica roedora dos ratos, os textos permaneciam inéditos desde que foram escritos em 1866. O Grupo de Teatro do Clube de Cultura recebeu prêmios por essa montagem e consagrou Qorpo Santo como um expoente da literatura brasileira.
Nos anos 60 ainda funcionou a Frente Gaucha de Musica Popular. Formada por jovens que buscavam romper com as cadeias da indústria cultural alienante. Nos anos 70 Gerbase e Furtado organizaram oficinas de cinema quando ainda jovens faziam cinema por “diversão”
Nos anos 80 a Coompor badalou o Bonfim com o projeto Lupicínio canta Lupi. Caio Fernando Abreu e Luciano Albarse montavam os textos de nosso maldito favorito no auditório Henrique Scliar. Este homenageado em vida com seu nome no auditório que ajudou a construir.
O tio Henrique, como era conhecido e muito citado nas crônicas de Moacyr Scliar, mesmo não sendo conhecido pelas novas gerações é exemplo de que a luta por um mundo novo, justo e igualitário não é apenas de derrotas. O Clube mantém suas atividades mesmo sendo uma sombra do que foi no passado, mas nesses 60 anos a coisa vai mudar! O azul vai vencer o cinza que cobriu o nosso céu!

Um comentário:

  1. Olá! Achei muito interessante o artigo... estou fazendo uma pesquisa, e queria utilizar este como referência bibliográfica. Você pode me informar corretamente qual a procedência deste artigo? Muito grato, e parabéns pelo conteúdo! :)

    ResponderExcluir