Segunda Roda:uma homenagem a Bucefalo Caligulis e Onanlegrense Tavarish

sábado, 9 de janeiro de 2010

Ao pretenso ditador em mim

Onanlegrense
ser em formatação por instituições falidas e hipocritas

“O mais puro gosto do mel
é apenas defeito do fel
e a guerra é produto da paz”



Que vale hoje falar em paz? O que é paz? Existe possibilidade para a paz?
Diz o dicionário: “Ausência de lutas, violências ou perturbações sociais; tranqüilidade pública; concórdia, harmonia” .
A que custo se obtém tal paz?
Poderia dizer, como Gramsci em sua “Teoria ampliada do Estado”, que a este cabe ser o condutor, tanto por meio da força quanto pelo consenso, da paz. na sociedade.
Esta ausência de conflito, esta paz, poder-se-ia dizer que apenas existe exteriormente. Ou seja, à luz do Leviatã, o órgão centralizador e detentor da coação, é evitado o “pior dos males”, as perturbações sociais. Sendo isso, pode-se dizer que a paz em sociedades e entre sociedades é, em geral, posta de maneira exterior, ou melhor, imposta, constituindo violência e portanto não é paz. A paz, se existe, é paz-política é não paz-natural.
E, remetendo-se ao clássico da filosofia política, Maquiavel, deve ser o governante “amado ou temido”? Mesmo um consenso não pode ser obtido unicamente pela boa-vontade das partes. Em geral, o consenso parte também de uma imposição arbitrária, sendo dessa maneira violência, por vezes não aparente e tida como legitima. O consenso total, portanto, não passa de uma ilusão que leva a se falar em consenso relativo e graus de consenso. De maneira ampla é possível dizer que em uma democracia-moderna o consenso seja a exceção enquanto o conflito seja regra. Diria ainda que a democracia é regime que propicia a constatação de lutas sociais e, conseqüentemente, a democracia-moderna é por excelência não pacífica.
Giacomo Sani diz a respeito do totalitarismo:

Nestes regimes, seja porque é vedada a expressão de opiniões contrárias aos princípios fundamentais do regime, seja porque é negada a legitimidade de forças de oposição que estimulem e solidifiquem posições discordantes, seja enfim, porque os diversos subsistemas possuem pouca autonomia e o regime invade por assim dizer toda a sociedade, as divergências de opinião sobrevivem apenas clandestinamente, aparecem pouco externamente, levando o observador a superestimar o êxito do sistema em conseguir a adesão de amplos estratos sociais.

Desse modo, o mecanismo pelo qual o Totalitarismo cria ilusão de consenso é a deslegitimação de heterodoxias; é a supressão (aparente) da diferença. Ou seja, a paz-política que pode ser aparente em um tal regime é a negação arbitrária da não paz-natural.
Afirma Hannah Arendt, sobre estes mecanismos:

... os movimentos totalitários [freqüentemente] usam e abusam das liberdades democráticas com o objetivo de suprimi-las. (...). As liberdades democráticas podem basear-se na igualdade de todos os cidadãos perante a lei; mas só adquirem significado e funcionam organicamente quando os cidadãos pertencem a agremiações ou são representados por elas, ou formam uma hierarquia social e política.

Portanto, o consenso tem sua gênese na criação de direitos formais onde, de fato, o uso desses direitos é vetado pela supressão das diferenças. Assim, tenta-se reproduzir de qualquer maneira a ortodoxia. Ou seja, o totalitarismo, em parte, tem elementos do liberalismo, onde a questão ideológica formal, na realidade objetiva, funciona, como afirmou Marx, parecendo uma câmara escura onde as coisas estão virtualmente de cabeça para baixo. Dessa maneira, a supressão de divergências, ou melhor, de uma contestação da contradição teoria e prática - onde está imbricada a ideologia em seu sentido de falsa consciência – é tido como um problema à organicidade e paz-política de um sistema pelo qual deve ser reproduzida a “práxis” vigente. Assim, busca-se manter aparentemente as coisas em um status quo “semi-estático”, dado que a contestação normalmente se preserva num modelo heterodoxo, sendo as lideranças desse campo normalmente desestimuladas e tolhidas.
Mecanismos como esse do totalitarismo estão presentes, em geral, em todas as formas de governo, pois mesmo a educação tem seu nível de supressão ou superação das divergências pelo arbítrio de um professor, aquele que é tido e se tem como um detentor de saber acumulado. De certa maneira na educação, em seu sentido amplo e real estes mecanismos são a metodologia aplicada para a manutenção da própria sociedade. Em outras palavras a sociedade tem tendência a reproduzir-se por meio destes mecanismos. As divergências tendem a ser normalizadas, por exemplo – como mostrou Foucault – por sanções.

Na essência de todos mecanismos disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal. É beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento. As disciplinas estabelecem uma ‘infra-penalidade’; quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos que escapava aos grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença.
Mais adiante:
(...) Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e dar uma função punitiva aos elementos aparentemente diferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo tudo que possa servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora.

Um modelo escolar tem por intuito funcionar como um todo orgânico, tendo uma norma geral seguindo um referencial filosófico, ou seja tem um arbitrário social imposto a todas as ramificações onde a escola se insere e assim, a sociedade em geral. Pode-se dizer em consonância com Althusser que a escola é prima dona dos “aparelhos ideológicos do Estado”, espaço de reprodução de ideologia, mas além disso a escola funciona também como um aparelho disciplinar, parafraseando Raul Seixas e Marcelo Nova , formam “dobermans do sistema”. Os sujeitos sentados nas carteiras são constantemente disciplinados por meio tanto de uma inculcação ideológica quanto por mecanismos de punição das diferenças, o mais visível o uso do “grau” e mecanismos avaliativos pelo professor.
Poder-se-ia dizer que tanto os mecanismos disciplinares quanto a inculcação ideológica são complementares e em certo grau antinômicos. A luz de Gramsci estes mecanismos poderiam ser traduzidos em sua mais célebre antinomia: a força e o consenso. A ideologia, em sua acepção de falsa consciência, é corroborada para ter sua eficácia por mecanismos disciplinares. Numa relação complementar à eficácia ideológica, os mecanismos disciplinares fazem os sujeitos agirem de maneira o tanto quanto menos punível, a fim de que se possa crer, por exemplo, que “todos os homens nascem livres e iguais”. Por outro lado, também a inculcação ideológica faz com que os sujeitos pensem que a normalização ou a “universalidade punível-punidora” sejam tidas como naturais e, destarte, não contestem, sendo assim violentados sem perceber. Pode-se dizer, portanto, dominados onde a autoridade punidora, o professor, é o único “ator” . Certas objeções podem ser feitas quanto a isso, dado que viso o professor como autoridade, à luz das modernas pedagogias. Todavia, nota-se, com relativa abrangência, a incoerência entre a teoria e a pratica, sendo que normalmente o discurso é aliado a uma teoria politicamente moderna e “emancipatória”, enquanto a prática ainda se baseia na pedagogia mais tradicional e conservadora, ou seja a prática e lógica estabelecidas historicamente,e introjetadas nos indivíduos. É possível dizer que o processo educativo é uma violência para com os sujeitos donde obtém-se graus de consenso e manutenção, de certa maneira, do status quo.
Retomando a um nível macro, a formação de sujeitos históricos, tendo em vista o exposto, engendra a ilusão de paz, dado que estes pouco notam o arbitrário e a violência que sofrem ou acham que não devem contestar ou crêem que isto é natural ou são punidos por não terem a ilusão. A paz-política é a violência sobre a maioria que se destitui mesmo de seu “direito de expressão” – este formal - e, sobretudo, torna o homem “lobo de si”, executando o ideal hobbesiano da maneira mais perversa possível, isto é, um autófago.

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